domingo, 23 de agosto de 2009

SENTENÇA DO JUIZADO ESPECIAL CIVEL DO INTERIOR DA BAHIA-SIM, EXISTE INTELIGENTE POR AQUELAS BANDAS, OU MLEHOR, EXISTE VIDA INTELIGENTE NO BRASIL, EM CASOS ESPARSOS E RAROS, LÓGICO

Processo Número: 0737/05
Quem pede: José de Gregório Pinto
Contra quem: Lojas Insinuante Ltda, Siemens Indústria Eletrônica S.A e
Starcell
Ementa: UTILIZAÇÃO ADEQUADA DE APARELHO CELULAR. DEFEITO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO FABRICANTE E DO FORNECEDOR.
Sentença:
Vou direto ao assunto. O marceneiro José de Gregório Pinto, certamente
pensando em facilitar o contato com sua clientela, rendeu-se à propaganda da
Loja Insinuante de Coité e comprou um telefone celular, em 19 de abril de
2005, por suados cento e setenta e quatro reais. Leigo no assunto, é certo
que não fez opção por fabricante. Escolheu pelo mais barato ou, quem sabe
até, pelo mais bonitinho: o tal Siemens A52. Uma beleza!
Com certeza foi difícil domar os dedos grossos e calejados de marceneiro com
a sensibilidade e recursos do seu Siemens A52, mas
o certo é que utilizou o aparelhinho até o mês de junho do corrente ano e,
possivelmente, contratou muitos serviços. Uma maravilha!
Para sua surpresa, diferente das boas ferramentas que utiliza em seu ofício,
em 21 de junho, o aparelho deixou de funcionar. Que tristeza: seu novo
instrumento de trabalho só durou dois meses. E olha que foi adquirido
legalmente nas Lojas Insinuante e fabricado pela poderosa Siemens... Não é
coisa de segunda-mão, não!
Consertado, dias depois não prestou mais. Não se faz mais conserto como
antigamente!
Primeiro tentou fazer um acordo, mas não quiseram os contrários, pedindo que
o caso fosse ao Juiz de Direito.
Caixinha de papelão na mão, indicando que se tratava de um telefone celular,
entrou seu Gregório na sala de audiência e apresentou o aparelho ao Juiz:
novinho, novinho e não funciona. De fato, o Juiz observou o aparelho e viu
que não tinha um arranhão.
Seu José Gregório, marceneiro que é, fabrica e conserta de tudo que é móvel.
A Starcell, assistência técnica especializada e indicada pela Insinuante,
para surpresa sua, respondeu que o caso não era com ela e que se tratava de
"placa oxidada na região do teclado, próximo ao conector de carga e
microprocessador" . Seu Gregório: o que é isto? Quem garante? O próprio que
diz o defeito, diz que não tem conserto..
Para aumentar sua angústia, a Siemens disse que seu caso não tinha solução
neste Juizado por motivo da "incompetência material absoluta do Juizado
Especial Cível - Necessidade de prova técnica." Seu Gregório: o que é isto?
Ou o telefone funciona ou não funciona! Basta apertar o botão de ligar. Não
acendeu, não funciona. Prá que prova técnica melhor?
Disse mais a Siemens: "o vício causado por oxidação decorre do mau uso do
produto". Seu Gregório: ora, o telefone é novinho e foi usado apenas para
falar. Para outros usos, tenho outras ferramentas. Como pode um telefone
comprado na Insinuante apresentar defeito sem solução depois de dois meses
de uso? Certamente não foi usado material de primeira. Um artesão sabe bem
disso.
O que também não pode entender um marceneiro é como pode a Siemens contratar
um escritório de advocacia de São Paulo, por pouco dinheiro não foi, para
dizer ao Juiz do Juizado de Coité, no interior da Bahia, que não vai pagar
um telefone que custou cento e setenta e quatro reais? É, quem pode, pode! O
advogado gastou dez folhas de papel de boa qualidade para que o Juiz
dissesse que o caso não era do Juizado ou que a culpa não era de seu
cliente! Botando tudo na conta, com certeza gastou muito mais que cento e
setenta e quatro para dizer que não pagava cento e setenta e quatro reais!
Que absurdo!
A loja Insinuante, uma das maiores e mais famosas da Bahia, também
apresentou escrito de advogado, gastando sete folhas de papel, dizendo que o
caso não era com ela por motivo de "legitimatio ad causam", também por
motivo do "vício redibitório e da ultrapassagem do lapso temporal de 30
dias" e que o pobre do seu Gregório não fez prova e então "allegatio et non
probatio quasi non allegatio".
E agora seu Gregório? Doutor Juiz, disse Seu Gregório, a minha prova é o
telefone que passo às suas mãos! Comprei, paguei, usei poucos dias, está
novinho e não funciona mais! Pode ligar o aparelho que não acende nada!
Aliás, Doutor, não quero mais saber de telefone celular, quero apenas meu
dinheiro de volta e pronto!
Diz a Lei que no Juizado não precisa advogado para causas como esta. Não
entende seu Gregório porque tanta confusão e tanto palavreado difícil por
causa de um celular de cento e setenta e quatro reais, se às vezes a própria
Insinuante faz propaganda do tipo: "leve dois e pague um!" Não se importou
muito seu Gregório com a situação: um marceneiro não dá valor ao que não
entende! Se não teve solução na amizade, Justiça é para isso mesmo!
Está certo Seu Gregório: O Juizado Especial Cível serve exatamente para
resolver problemas como o seu. Não é o caso de prova técnica: o telefone foi
apresentado ainda na caixa, sem um pequeno arranhão e não funciona. Isto é o
bastante! Também não pode dizer que Seu Gregório não tomou a providência
correta, pois procurou a loja e encaminhou o telefone à assistência técnica.
Alegou e provou!
Além de tudo, não fizeram prova de que o telefone funciona ou de que Seu
Gregório tivesse usado o aparelho como ferramenta de sua marcenaria. Se é
feito para falar, tem que falar! Pois é Seu Gregório, o senhor tem razão e a
Justiça vai mandar, como de fato está mandando, a Loja Insinuante lhe
devolver o dinheiro com juros legais e correção monetária, pois não cumpriu
com sua obrigação de bom
vendedor.
Também, Seu Gregório, para que o Senhor não se desanime com as facilidades
dos tempos modernos, continue falando com seus
clientes e porque sofreu tantos dissabores com seu celular, a Justiça vai
mandar, como de fato está mandando, que a fábrica Siemens lhe entregue, no
prazo de 10 dias, outro aparelho igualzinho ao seu. Novo e funcionando! Se
não cumprirem com a ordem do Juiz, vão pagar uma multa de cem reais por dia!
Por fim, Seu Gregório, a Justiça vai dizer à assistência técnica, como de
fato está dizendo, que seu papel é consertar com competência os aparelhos
que apresentarem defeito e que, por enquanto, não lhe deve nada.
À Justiça ninguém vai pagar nada. Sua obrigação é fazer Justiça!
A Secretaria vai mandar uma cópia para todos.
Como não temos Jornal próprio para publicar, mande pelo correio ou por
Oficial de Justiça.
Se alguém não ficou satisfeito e quiser recorrer, fique ciente que agora a
Justiça vai cobrar.
Depois de tudo cumprido, pode a Secretaria guardar bem guardado o processo!
Por último, Seu Gregório, os Doutores advogados vão dizer que o Juiz decidiu
"extra petita", quer dizer, mais do que o Senhor pediu e também que a
decisão não preenche os requisitos legais. Não se incomode.. Na verdade, para
ser mais justa, deveria também condenar na indenização pelo dano moral, quer
dizer, a vergonha que o senhor sentiu, e no lucro cessante, quer dizer,
pagar o que o Senhor deixou de ganhar.
No mais, é uma sentença para ser lida e entendida por um marceneiro.
Conceição do Coité, Bahia, 21 de setembro de 2005
Gerivaldo Alves Neiva, Juiz de Direito

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Please rational coments: