UMA VISAO ATUALIZADA 18 ANOS DEPOIS
PEDAGOGIA
DA AUTONOMIA-PAULO FEIRE
Saberes
Necessários à Prática Educativa
Resenha
crítica de FLAVIO FAGUNDES FERREIRA*
AS PRIMEIRAS PALAVRAS- Do autor
A
obra tem um dos seus principais pontos logo em seu início, no tópico “primeiras
palavras”, de fundamental importância para a absorção da obra.Vemos um homem
que, apesar da elevada idade, mantem-se incrivelmente lúcido em seus ideais,
ideários , propósitos e em sua compreensão de mundo, com suas cada vez mais
gritantes e absurdas injustiças.
Tal
lucidez do erudito faz com que seja alertado ao leitor que a obra não é um
devaneio sobre utopias, e sim uma esperançosa contribuição na tentativa de se
construir um mundo melhor, o que absolutamente quase todos os habitantes do
planeta não fazem.Considera também que algumas temáticas e assuntos já haviam
sido fruto de abordagens em obras anteriores, mas tudo na tentativa de
construção de um quadro pedagógico consistente e fundamentalmente ético.
DA LOCALIZAÇÃO TEMPORAL DA OBRA
O
livro foi publicado no ano de 1996, certamente tendo sido compilado no ano
anterior, por um homem de 73 anos que infelizmente nos deixaria já no ano
seguinte. Nesses meados da década de 90, o Brasil elegia democraticamente uma
ideologia escancaradamente neoliberal, representada pelo partido PSDB e seu
candidato, Fernando Henrique Cardoso1, que não escondia o intuito de
desmantelamento de grande parte da máquina publica em favor de uma política de
mercado e todas as suas negatividades, realidade prevista por Paulo Freire e
que certamente lhe foi de grande desgosto justamente nos finais de sua vida,
posto que sabedor da perniciosidade de tal forma de governo e as graves
consequências que o Brasil e o mundo enfrentam
nos dias de hoje.
Naquela
época, os conceitos de `globalização` , `liberalismo econômico` , `fundamentalismo
islâmico` e outros tomaram de assalto o cenário mundial, como uma verdadeira
avalanche de realidades prometidas mas que se revelaram totalmente enganosas.
A
queda do `muro de Berlin` em 19893,
que significou o colapso das ditaduras de esquerda no `segundo mundo`, foi
usado como anúncio às classes oprimidas de que as tentativas de uma politica
socialista igualitária controlada pelo Estado fracassaram e uma `nova ordem mundial` estava à porta ,
evidentemente com farta propaganda ilusória de tempos melhores a advir.
A ATUALIDADE (Década 2011/2020)
Passados
quase vinte anos, a atualidade do livro `PEDAGOGIA DA AUTONOMIA` é realmente
impressionante, bem como de profético acerto as palavras de Paulo Freire na
apresentação da obra, de que a nova `ordem
mundial` seria ainda de maior ruína aos oprimidos e “condenados da Terra”(sic-fls.04).Hoje temos o “Google” e sua gigantesca capacidade de pesquisa instantânea e
armazenamento de dados; temos quase que um aparelho telefônico celular para
cada cidadão brasileiro, com capacidade de envio de mensagens, arquivos
digitais , filmetes e fotografias; temos automóveis com orientação via satélite
(GPS) , sistema de acesso à rede mundial de computadores sem fio (Wireless), televisão via cabo com
centenas de canais internacionais e enorme avanço na medicina.
Em
contrapartida, a fome no mundo não cede e só aumenta4, o mundo está
envolto em guerras regionais por interesses escusos, existe um neocolonialismo
mal disfarçado na África, o fundamentalismo islâmico tomou conta de grande
parte do mundo árabe, o desemprego tomou conta dos países mais ricos e com ele
o ódio étnico, o clima global está mudando rapidamente, a concentração de renda
atingiu níveis alarmantes e mesmo promessas de um futuro melhor, como a`União
Européia`5, estão a se esfacelar a olhos vistos.
No
Brasil, depois do governo Fernando Henrique Cardoso, e depois do advento de um
governo assumidamente socialista por mais de 10 anos, o quadro é efetivamente
canhestro, com concentração de renda em índices insuportáveis, analfabetismo,
disparidades regionais, destruição do meio ambiente, gigantismo do Estado,
violência social extrema, crime organizado, tráfico de drogas, ausência de
retribuição tributária, ausência de canais de comunicação com os governos,
mídia parcial e mais uma miríade de situações que deixariam o nonagenário Paulo
Freire, se vivo estivesse, absolutamente perplexo e amargurado.
À
Pedagogia, portanto, caberia o fundamental papel de criar gerações aptas e dispostas
a enfrentar tal gravoso e, por que não dizer , apocalíptico quadro em que
vivemos, sendo uma das poucas alternativas à violência revolucionária na eterna
pretensão em se mudar, ou , quando muito , melhorar o pequeno mundo em que
vivemos soltos no espaço sideral.
Em
tempos de brutal ignorância `Taliban`6, a obra de Paulo Freire é
como um sopro de civilização em um mundo perdido e mergulhado na escuridão ,
como exemplificado de forma dramática pelos fotogramas da sonda `Cassini`7
em seus instantâneos do Planeta Terra à distancia de Saturno, onde uma quase
insignificante bolinha azul é um planeta em que seus habitantes dito
`pensantes` não se apercebem de sua insignificância, continuando a viver cada
um como se fosse o centro do Universo, o que se releva de mortal , quem diria,
ignorância.
FOTOGRAFIA ENVIADA DA
SONDA CASSINI DEPOIS DE SATURNO,MOSTRANDO O PLANETA TERRA POR DETRÁS DE UM DOS
ANÉIS DAQUELE PLANETA (NASA-2013)
DA OBRA
“ PEDAGOGIA DA AUTONOMIA”
O
Livro é apresentado em três capítulos, com cada capitulo subdividido em
nove tópicos , onde cada tópico cinge-se
a um explicativo conceitual do que é `ensinar`, começando sempre com a termo
`ENSINAR É...” com tudo distribuído em 160
páginas onde a sabedoria conceitual do autor se faz presente.
Discorrer
ponto a ponto sobre os tópicos seria um trabalho infrutífero e insano, podendo
ser pinçadas as ideias principais do entendimento, por assim dizer, `final`de
Paulo Freire sobre como pode e deve ser a Pedagogia no quesito do `Ensino`,
tema que carrega incomensurável trabalho intelectual de muitas gerações humanas
e ainda se encontra em franco desenvolvimento.
Esses
pontos focais do ideário do livro podem assim serem descritos, e serão
analisados por tal ordem:
Cap. 1
– Não há docência sem discência.
A
`presença` do aluno é fundamental para um bom relacionamento e desenvolvimento
pedagógico, não sendo esta somente a presença física, obrigacional e desprovida
de virtudes e sentimentos favoráveis à captação do saber, mas sim o efetivo `ser-aluno`
em todas as suas dimensões, com a consciência que é um ser humano em processo
de formação interminável e , de acordo com a idade, verdadeiro receptáculo
ainda vazio de informações, saberes e tecnologias que servirão para seu
ingresso em um processo civilizatório cada vez mais duvidoso e complexo.A
atitude do aluno `plantado` em sala de aula é condizente com o termo criado por
Paulo Freire do `ensino bancário`, onde o aluno recebe somente uma torrencial
quantidade de informações dogmáticas descontextualizadas e desfocadas do
objetivo de formar um ser humano com capacidades próprias de digerir, entender
,adaptar-se e ao menos tentar modificar a realidade em que vive.
1.1 –
Ensinar exige rigorosidade metódica
O Educador não pode seguir uma linha
pedagógica ao sabor dos ventos, tendo sempre a consciência que o trabalho de
`ensinar` é árduo e exige constante atenção às realidades envolvidas na escola e nos alunos , sempre desenvolvendo
esforços para o desenvolvimento de uma mentalidade crítica, autônoma e criativa
nos corpo discente, que , afinal, é totalmente permeável a tudo que lhe possam impingir.
Essa atitude é de fundamental importância para que a qualidade do ensino
autônomo não vá decaindo rapidamente até se tornar novamente o ensino
`bancário`, tão repudiado pelo autor e que nada cria , e nem mesmo acrescenta
em matéria de civilização humana. A importância desse conceito atingiu todas as
áreas de ensino, como se pode observar no artigo irlandês de 2003 que trata do
rigor metodológico no ensino de enfermagem avançada8.
1.2 –
Ensinar exige pesquisa
Uma
temática basilar nos atuais debates pedagógicos é justamente a fundamental
atitude de `pesquisa` do educador. Nada há de mais importante atualmente que o
educador, em qualquer nível, manter-se atualizado, especialmente em um mundo em
que as mudanças chegam a ser quase palpáveis e absurdamente rápidas, com
mudanças de governos e sistemas econômicos em questão de meses, e de máquinas,
equipamentos e profissões em questão de anos. Desse modo, o educador que não se
mantiver atualizado, pesquisando diariamente, informando-se sobre o mundo e sua
realidade estonteante, como também em sua `área` de ensino, estará fadado a somente ser mais
uma nulidade em um sistema educacional falido e subserviente.
1.3 –
Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos
A
realidade sócio cultural dos alunos, por mais tenebrosa que seja, sempre tem
algo de bom a acrescentar e a informar, devendo o educador estar cônscio disso,
sem jamais menosprezar costumes e atitudes, e estar antenado a informações e
práticas das comunidades, sem fazer transparecer que seja um estranho à
realidade em que se encontra lecionando. Um tema atualmente em voga hoje é o de
`Pedagogia para as Primeiras Nações’, onde se tenta um resgate pedagógico
histórico a etnias oriundas de povos pré-colonização. Tal método se encontra em
pleno desenvolvimento no Canadá, por exemplo, mas ainda é incipiente no Brasil9.
1.4 –
Ensinar exige criticidade
Como consequência lógica, a pesquisa
tem de estar acompanhada da devida dose de crítica por parte do lecionador.De
nada adianta entupir-se de informações e conceitos a serem usados no ensino, ingenuamente
e sem processar os mesmos por um mecanismo cerebral de crítica.É a diferença
entre se saber que houve o Holocausto, mas por quais razões, quem lucrou, quem
perdeu, quem ajudou;tudo dentro de um contexto histórico e seus reflexos
atuais, e não porque Hitler odiava os
judeus. O processamento crítico das informações e conhecimentos é,
portanto, de fundamental importância para a tentativa de um ensino mais completo e voltado para o
crescimento do aluno e de sua realidade sócio cultural.
1.5 –
Ensinar exige estética e ética
A tentação proporcionada pelas
facilidades de se enveredar pelos caminhos já construídos no ensino, que trazem
sempre tendências ultra conservadoras e puritanismo, é percebida por Paulo
Freire. Para evitar tal situação é necessário que o educador seja
fundamentalmente ético, mas não de uma ética impingida a si pela sociedade ou
pela época em que vice, mas uma ética construída em seu interior, onde ele
possa perceber que o Mal pode estar mesmo dentro das mais inocente tendência
humana, como foi o caso da Eugenia em finais do século XIX10, e o
exemplo de sempre do Nacional Socialismo, onde , com a bandeira de se criar um
ser humano `superior`, logo tudo descambou para uma raça superior hegemônica e
destruidora das demais, e que quase destruiu o mundo.
1.6 –
Ensinar exige a corporeificação das palavras pelo exemplo
Dentro de uma óptica de ética, de nada
adianta o educador desenvolver conceitos, métodos e atitudes éticas rigorosas
ao mesmo tempo em que não `personificar` os mesmos diariamente. O mestre
`farsante`, que apresenta ética pedagógica sólida mas que não a traduz em atitudes
de vida é somente uma estátua com pés de barro. O autor cinge-se mais em uma
atitude ideológica, mas tal não é somente uma das possibilidades do exemplo
como virtudes de um mestre educador, que podem passar mesmo pela apresentação
pessoal até mesmo por atitudes em sala de aula ou fora dela, como assédios
sexual e moral , alcoolismo e preguiça. Grandes professores perderam-se com tal
dicotomia, alguns grandes eruditos mas que a ressaca matutina transparecia de
tal forma a embotar os ensinamentos diários11
1.7 –
Ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de
discriminação
Apesar da aparente
obviedade dos ensinamentos aqui trazidos por Paulo Freire, o que se verifica na
prática é exatamente o oposto .O ser humano é basicamente conservador em todos
os seus aspectos de vida, não suportando as ideias de `risco`, `aceitação` e
`rejeição` sem doses cavalares de paciência e ensinamentos contrários a tal
estado de coisas. Isso é percebido de forma imediata pelo Autor, que tem ampla
consciência da fragilidade interior humana e seu nefasto desserviço para a
Humanidade. O educador deve estar atento a isso, não aceitando o novo` por ser
`novo` , mas sim porque esse `novo‘ pode ser uma melhor adequação da realidade.
O `risco` é a tentativa de inovação, ou mesmo uma tentativa de utilização de
velhas técnicas ou métodos, mas que possa não provocar prejuízos e sim fazer
válida uma tentativa de ministração de conhecimentos.A discriminação é algo
mais perverso e sub-reptício, pois pode advir de conceitos pré-adquiridos , da
aquisição de conceitos vividos pela pessoa ou sofridos por pessoas
próximas, sendo então algo a ser abordado de forma muito cautelosa. Quando se
fala em discriminação imediatamente pensa-se em raça, cor, credo, mas no mundo
atual e sua diversidade a discriminação atinge todo e qualquer ser ou idéia que
possa ser um tanto quanto diferente dos existentes de forma comum, indo desde
capacidades cognitivas até diferenciais de idade, passando por situação
econômica, beleza, pele, saúde oral e o mais que se possa imaginar fora de um
quadro de realidade auto-construída, a qual o mestre se encontra embutido.Um
professor de uma classe abastada e morador de um bairro mais privilegiado terá
de enfrentar verdadeira enchente de contradições pessoais se for alocado para
um colégio em uma periferia violenta, o
mesmo vale para um professor parisiense atual que terá de lidar com uma sala com vários
alunos indianos , árabes e orientais de modo a não promover cenas de pura
selvageria discriminatória12
1.8 –
Ensinar exige reflexão crítica sobre a
prática
A
tarefa básica do educador em sua formação e continuidade de vida é a eterna
reflexão, e dentro dessa realidade a critica sobre sua própria prática emerge
de forma pungente.O autor reconhece a dificuldades de tal entendimento, mas em
verdade o próprio educador tem de submeter o estado de `como ensina` a uma
crítica diária e honesta.O professor repetitivo, sem entusiasmo e que usa
elementos fora de sua realidade ou da realidade em que a escola e seus alunos
estão imersas obra contra si.Dada a incomensurável extensão do ensino , as
práticas também podem ser infinitas , e sem a devida crítica podem se tornar
meros instrumentos de uma educação monótona e distante.O mestre de obras que
ensina ao aprendiz como martelar um prego de forma desleixada ou desatenciosa é
um exemplo grosseiro mas perfeito sobre a questão.A prática, em todos os países
, estados e cidades de um mundo em constante mudança, é algo que preocupa
grande parte dos pensadores educacionais13.
1.9 –
Ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural
O autor reafirma a necessidade de se
encontrar, revalidar e `assumir` a identidade cultural do público alvo da educação a ser ministrada , como também a do
próprio mestre educador. É um tema realmente complicado em um mundo `globalizado`, onde muitas vezes
a cultura `pop` de uma nação chega a
impregnar de tal modo outra que se torna difícil encontrar uma identidade
cultural que não esteja soterrada por toneladas de `cultura de exportação` que
não reflete realidade alguma, tanto do país de origem quanto do receptor. O
mestre tem de estar atento, tanto no sentido de salvar ou manter realidades culturais
ameaçadas, quanto mesmo`soterrar` modos culturais falidos ou prejudiciais à
sociedade mas em franco uso14.Um professor africano que sabe da
odiosa prática de extirpação clitoriana deve `assumir`
a existência dessa triste identidade cultural, mas, imbuído da devida ética e
crítica, deverá lutar para sepultar tal prática, mesmo que possa lhe custar a
vida. O mesmo se pode dizer de um indiano ao reprovar veementemente o estupro e
o assédio sexual como condição `normal`
na sociedade de seu superpopuloso e complicado país. A `assumção` da identidade cultural não é, portanto a imersão passiva
em uma realidade sócio cultural, mas sim uma presença crítica e de
posicionamento definido em tal realidade, com disposição mesmo a combatê-la
quando evidentemente prejudicial ou retrógrada. Muito se fala da solução para
os problemas (cada vez mais graves) do Brasil, mas Paulo Freire certamente
diria que resta ao país a `assumção` de que é um país pobre,atrasado,
ignorante e injusto de terceiro mundo e
precisa a começar a agir como tal , passando a lutar para minorar suas mazelas
e não buscar um estilo de vida americano para um pequeno percentual de sua
população e abandonar a maioria à própria sorte.
Capítulo
2
Ensinar
não é transferir conhecimento
O título a princípio confunde, mas logo em seguida percebe-se que é
a base do entendimento do Autor sobre seu `pensar certo`, ou seja , o
entendimento que ensinar é antes de tudo um trabalho conjunto e árduo ,
envolvendo todos os conceitos anteriormente exemplificados , como ética,
disciplina, prática, crítica... tudo voltado para um pleno desenvolvimento de
uma verdadeira e profunda Pedagogia, onde o mestre de valor cria no aluno a
possibilidade de construir seu próprio conhecimento, sem receios de demonstrar
suas dúvidas e conceitos equivocados.
2.1 –
Ensinar exige consciência do inacabamento
Do
ser humano, pode-se dizer com certeza é o único animal do Planeta Terra que
nasce e vai até a morte por velhice ,`inacabado’. Desse modo, a personalidade,
a sede e a gama de conhecimentos adquiridos, as experiências e toda a bagagem de uma pessoa no final de sua
vida são insuficientes para que se considere aquele ser `acabado´, em
significado de plenitude. Ninguém vai para o túmulo com todo o conhecimento
humano; com o domínio de todas as emoções humanas;de todas as línguas faladas;
com o conhecimento de todas as experiências humanas, desde as mais aviltantes,
como o capitão do navio que abandona os náufragos à própria sorte15
até a religiosa que dá a vida pelo enfermos em um país miserável16.Tal
vivente, se alcançasse essa condição, seria uma espécie de divindade
inatingível, um Ghautama deslocado da
materialidade do planeta Terra. Portanto, o Autor repisa a realidade de que o
ser humano está e deve sempre estar em constante crescimento interno, sob pena
de regressão ou absurda estagnação ante a oportunidade única de existência como
ser pensante que lhe foi agraciada de forma para sempre desconhecida.
2.2 –
Ensinar exige o reconhecimento de ser condicionado
No entendimento do Autor, o homem
somente se liberta com o conhecimento, mesmo assim essa liberdade é altamente
condicionada, posto que temos de respeitar as realidades e regramentos sociais
que, no final, também nos agrilhoam por toda a vida. Temos a convicção que o
acumulo de bens materiais também pode nos libertar das condicionantes da vida
em sociedade, mas tal também é somente uma ilusão.Cabe ao mesmo não lutar como
um Don Quixote contra os moinhos do condicionamento, e sim saber lidar com
eles, percebendo que os monstros do condicionamento são meras quimeras
ilusórias criadas desde o inicio dos tempos. Se criadas por conspiração ou não
, nunca saberemos, tamanha a sutileza com que nos amordaça ao longo dos anos de
formação, desde logo os primeiros meses de nascimento. Ao indiano que nasce
filho de um curtidor de couros e pertence à mais baixa casta daquele triste
país, o condicionante é praticamente inescapável. Ele casará com uma curtidora
de couros e seus filhos , impedidos de estudar, serão curtidores de couros, e
assim foi e será por incontáveis gerações.O mundo ocidental é um pouco melhor
em tal aspecto, já que o direito à educação é dever do Estado na maioria dos
países, e tal, se por uma sorte bem aproveitado, faz surgirem pequenos milagres
de escape da condição miserável em que o discente por azares do destino
nasceu.É claro que esse é um exemplo por demais radical para embasar uma tese
válida, mas não é difícil, com pequena reflexão, encontrar `condicionantes` na
vida de qualquer cidadão, desde o inexplicável uso de vestimentas em
determinadas profissões (ex. terno e gravata para advogados em um país
tropical) até a perseguição insana de `símbolos de status` de modo a , ilusoriamente,
sobressair-se de um grupo social.Cabe ao
mestre educador a tentativa de ultrapassar tais condicionantes , de modo a
oferecer ao discípulo uma visão mais clara e justa da realidade em que vive, e
ambos construírem um entendimento pedagógico exemplar e enormemente
diferenciado16.O Autor assume sua condicionante como ser humano
falho e incompleto, mas se orgulha de tal e assume sua constante luta para modificar
tal quadro.
2.3 –
Ensinar exige respeito à autonomia
Talvez sendo a parte conceitual mais
importante do livro, o autor tenta definir a autonomia (base de sua Pedagogia
da...) na consciência de que o educando é uma individualidade autônoma.Por mais
óbvio que isso possa parecer a um primeiro momento, trata-se certamente de uma abordagem
revolucionária em Pedagogia.O educando passa de mero receptor de tecnologias,
experiências e doutrinas, a um ser pensante, vivente, insubstituível e dono de
seu próprio universo, uma entidade de valiosa participação em seu mundo, com
seus sentimentos, emoções , vivencias e culturas advindas de gerações e
gerações, isso em qualquer grupamento populacional do planeta.Desrespeitar essa
realidade é desconsiderar a nobreza da condição humana, aviltando o educando
como mera peça a ser endereçada ao mercado de trabalho de um mundo globalizado
e injusto, onde somente a miséria é globalizada e a renda é absurdamente
concentrada nas mãos de centenas de pessoas17.A autonomia e identidade
do educando são , portanto , algo de sagrado para o educador, que deve lutar
aguerridamente por tal condição, contra um ensino massificante e massacrante da
individualidade, com comumente se apresenta
2.4 –
Ensinar exige bom senso
A virtude do `bom senso` ainda dispara
acalorados debates filosóficos a nível mundial.O Bom senso é intimamente ligado
à ética , mas deve sua vida ao conhecimento.O que os franceses chama de `sens
commun` ,os ingleses `common sense` e os italianos `buonsenso` na verdade é uma
decisão intuitiva que nasce depois de
uma pequena reflexão do educador ao se deparar com problemas diários em sua
vida de ministrador de conhecimentos. Depende diretamente da bagagem , vivencia
e sabedoria do educador, que sabe identificar `in loco` se determinada atitude
será benéfica ou não.O bom senso muitas vezes não indica a atitude mais
condescendente a ser tomada, mas certamente indica a melhor atitude para a
situação.O bom senso age quando não se pode deixar de punir um aluno que se atrasa
repetidas vezes , continuando a fazê-lo mesmo depois de avisado de seu
comportamento.É o bom senso que faz com que um educador se interesse pelo que
está a ocorrer com um aluno que apresenta sinais de maus tratos e resolva
convocar os pais.É o bom senso que faz com que o professor advirta os alunos a
não se envolverem com drogas ou que não se rendam às satisfações viscerais do
mundo.Sem o bom senso, que muitas vezes é considerado a base do `jeitinho`
brasileiro, situações banais e quotidianas podem virar tormentos memoráveis,
como uma reunião de condomínio onde os presentes acabam por partir para as vias
de fato, sem atinar que são todos vizinhos e que irão se encontrar quase que
diariamente nos elevadores e nas áreas comuns do prédio. O educador de bom senso
na verdade não é o ser que se deixa levar por seus instintos e por seus
palpites, mas pessoa que usa de forma acertada uma certa confiança (mas não
absoluta) na decisão mais favorável a lhe `soprar` no ouvido quando
se lhe apresenta qualquer situação. Como disse Paulo Freire, é uma virtude permanente
vigilante e de suma importância na vida prática.
2.5 –
Ensinar exige humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos
educadores
O Autor enfoca o aviltante processo de
humilhação sistemática que sofrem os professores brasileiros, situação que só
se agravou ao longo dos anos18.Atesta que a atitude de valorização
da categoria tem de ser iniciada em cada professor, que ao mesmo tempo deve ser
pessoa humilde e tolerante, posto que sem tais virtudes a vida tornar-se-á
insuportável, ou então se cairá no “indiferentismo
fatalistamente cínico” (sic. Pag.__) em que muitos, por comodismo ou
desesperança, aderem.A altivez e a luta, mesmo que silenciosa, por melhores
condições de trabalho e valorização da atividade de educador devem nortear a
vida deste e do Pedagogo, posto que certamente dias melhores virão18.
2.6 –
Ensinar exige apreensão da realidade
O
autor atesta que o Homem é o único animal com capacidade de aprender e
apreender, mas tal capacidade tem sido relegada ao longo dos séculos por uma
atitude compassiva e inerte, que permite o crescimento de todo um sistema de
dominação que alcança, agora, um nível mundial e é marcado pela exclusão e pela
mínima cessão de recursos para a sobrevivência de populações inteiras.Tal era
abominado e grande preocupação do pensador Paulo Freire, que estaria a
adivinhar nossa atual realidade, mesmo muitos anos antes. Particularmente, na
apreensão da realidade, além de se entender como ser consciente em um Universo do
qual não compreende absolutamente nada, o Homem precisa concatenar que precisa
`querer` aprender, cabendo ao educador quebrar a inércia cognitiva que assola a
maioria dos seres humanos. Chegamos a um ponto em que a maioria das populações
acaba vivendo as custas de seus instintos e visceralidades, o que se revela
catastrófico ante um planeta que se
encontra com os recursos próximos ao esgotamento.Ao educador cabe a muitas
vezes impossível tarefa de “quebrar” tal ciclo de inercia cognitiva.
Infelizmente, além de ser o único animal com capacidade de aprendizado, o homem
também tem a capacidade de sobreviver sem nenhum aprendizado além do que
recebido naturalmente em seu grupo primal (família) , onde enxergar e falar um
dialeto rudimentar já é o suficiente
para sobreviver e, por seguinte, continuar vivendo, mesmo sem maiores
aspirações e objetivos.O educador que tira uma pessoa de tal quadro
incivilizatório é responsável por um pequeno milagre diário e merece todas as
honras19.
2.7 –
Ensinar exige alegria e esperança
Em
um mundo onde impera a incerteza, o Educador, segundo Paulo Freire,emerge como
o portador da tocha da Esperança. Mostrando experiências próprias no Nordeste
brasileiro, o autor conclui que a função primordial do educador é quebrar a
cadeia historicista que condena o homem à fatalidade de seu destino como ser
que veio ao mundo para sofrer e morrer20.Cabe ao educador, geração
após geração, mostrar ao educando que a apreensão de conhecimentos é a única
forma de sair de uma forma vegetativa de vida e permitir ao Homem a tentativa
de um pleno desenvolvimento de suas capacidades e talentos.
2.8 –
Ensinar exige a convicção de que a mudança é possível
As
interessante abordagens a temas da vida é uma das marcas do autor Paulo Freire,
que compila frases de efeito absolutamente interessantes, como a designação de
áreas que emergem como uma forte “traição
a nosso direito de ser”(sic. Fls__), como favelas, palafitas e mocambos. O
autor revela-se sempre indignado com as situações de miséria social e cultural,
mas principalmente pela sensação de impotência a qual as pessoas que vivem
nessas condições se encontram retidas. Essa perene sensação de que nada nunca
irá mudar tem de ser combatida veementemente pelo educador, que precisa
encontrar meios e termos de convencimento , pessoal e do educando, que a
mudança é possível; que a educação e o conhecimento são uma das mais
importantes, senão a únicas possíveis, para se fugir de um quadro nefasto de
miséria intelectual e social. Ao educador cabe então o papel de interferir na
realidade, praticamente tentando abrir uma porta ou uma janela a um mundo
distante e desconhecido pelo educando, para que o mesmo ao menos possa tentar
entrar.
2.9 –
Ensinar exige curiosidade
O
Autor insiste que a curiosidade é de fundamental importância para o
relacionamento educando aluno, sendo que se um inibe a curiosidade do outro,
ambos restarão prejudicados. A curiosidade sobre a realidade é uma forma de
manifestação de que o educando saiu de um estado vegetativo, trancado em si
mesmo, e está apto a partir para um desenvolvimento pedagógico
satisfatório.Salutar hábito , mostra que a lisergia do educando e seu tempos de
total desinteresse pelo mundo que o cerca estariam próximos do fim, facilitando
ao educador o desenvolvimento completo de um projeto pedagógico, que agora
estará respaldado por um vivo interesse do aluno em querer absorver
conhecimentos, embalado pela curiosidade.O despertar da curiosidade é portanto
um sintoma formidável a mostrar que o
método pedagógico que está sendo empregado está funcionando , trazendo consigo
virtudes ainda adormecidas no educando, como a intuição, a sagacidade, o
interesse , principalmente, a esperança de que vai crescer interiormente.
CAPÍTULO 3
ENSINAR
É UMA ESPECIFICIDADE HUMANA
Segundo
o Autor, o mestre deve estar absolutamente seguro de sua atividade pedagógica,
de modo a não deixar transparecer ao educando qualquer insegurança e não dar
espaço à sensações de ilegitimidade de sua conduta como educador, a qual deve
exercer com sabedoria.
3.1-
Ensinar exige segurança, competência profissional e generosidade
Paulo
Freire descortina situações em sala de aula que prejudicam a atividade
educativa, como a expressão `mandonismo`(sic. Fls__) que retrata o professor
truculento e desapegado a uma verdadeira atitude ética e que só traz problemas
de insuportabilidade nas relações mestre educando, tornando o ambiente de
classe pesado e insatisfatório. Os exemplos se multiplicam e são parte de
extenuantes estudos psicológicos relativos ao ambiente escolar e em ambientes
em que haja alguma espécie de ensino sem a institucionalização escolar
propriamente dita21.
A
generosidade envolvida seria o
desapego do mestre ao seu saber, quando o mesmo estaria disposto a desnudar-se
totalmente e a transmitir todo o seu`tesouro`de conhecimentos , praticas e
métodos, e não apenas a pequena parcela de conhecimento traduzida em seu
roteiro pedagógico para aquele ano, série ou objetivo.
É
interessante notar que o Autor sempre repisa os conceitos de respeito, como
condição essencial ao educador como pessoa e como profissional, sendo tal
virtude um caminho de duas vias, devendo respeitar o discente e ser por ele respeitado,
como condição sine qua non para se
estabelecer um verdadeiro elo pedagógico com resultados satisfatórios. Fora de
tal realidade somente o falso respeito ou o receio imperam.
Atualmente,
passados quase vinte anos, o respeito aos professores virou tema obrigatório,
quando mestres são agredidos em sala de aula e fora dela, alguns com casos
mesmo de lesões corporais graves e homicídios, o que é impensável em se
tratando de uma sociedade que se autoproclama `civilizada`. O Autor passaria
por maus momentos de desilusão com o atual estado de coisas brasileiro,
infelizmente.
Politicas
publicas e de classe terão de ser tomadas de forma emergencial para transmudar
tal quadro, sob pena de a cada ano a impossibilidade de se lecionar sem ser
agredido vai ser cada vez menor em plagas brasileiras22.
3.2 –
Ensinar exige comprometimento
O
`comprometimento` é outro fator de preocupação do Autor.é uma atitude pensada
de modo a definir o mestre como realmente ser vivenciador de sua experiência
como educador, colocar a atividade de `ser mestre` como a principal de sua
existência , o que lhe traz afazeres e responsabilidades mesmo fora do horário
de trabalho.O comprometimento do educador é com a verdade, a verdade de vida e
a verdade da realidade.É uma atitude constante e diuturna em que o mestre não
pode vacilar ou falsear ante problemas que surgirem, tanto com o conhecimento a
ser ministrado, explorado, criado quanto com a realidade de cada aluno em
comparação com a do educador.Resulta dizer que o professor é mestre durante as
24 horas do dia, sete dias por semana, doze meses por ano, e não somente no
horário de aula, com `folgas’ do comprometimento aos sábados, domingos , férias
e feriados.O comprometimento é uma atitude árdua e que exige sacrifícios os
mais variados, mas é uma postura de vida e profissional de incalculável
satisfação pessoal, mesmo que em princípio possa cobrar muitas horas de
diversão barata ou lazer.O professor tem de estar smepre à disposição de seus
discentes, em problemas matemáticos ou da vida, posto que na maior parte das
vezes é o único vivente com capacidade de resolução próxima ao aluno, que nem
sempre pode contar com a própria família para resolvê-los ou esclarecê-los.O
comprometimento faz do professor um mestre completo. Atualmente em nosso social
quadro caótico brasileiro, o que se ve com tristeza são cada vez mais
professores desiludidos com o `sistema`, mal ministrando aulas e o fazendo
somente por obrigação.Muitos com raiva dos alunos, raiva da escola em que são
alocados e raiva de sua própria vida de lecionador.Realmente uma lástima23.
3.3 –
Ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo.
O
Autor revela a preocupação de que a educação, por mais tacanha que possa ser, é
uma espécie de intervenção no mundo, tanto do educador quanto do educando.A
educação, mesmo diabolicamente voltada para a reprodução de ideologias
dominantes, consegue escapulir para auxiliar a desmascarar essa mesma ideologia,
como uma escola Taliban onde os
meninos são obrigados a recitar o Alcorão até a exaustão e acabam por descobrir
da pior forma possível que o que estão fazendo é de uma insanidade sem
precedentes na história humana, mesmo assim aquela seria a única realidade de
tais meninos para se fugir da miséria no deserto e dos maus tratos do pai severíssimo.
A Educação , no entender do Autor, jamais poderá ser neutra. Se tentar, sua
passividade será de ofensa à inteligência dos alunos, pois sua atitude abúlica
quanto à realidade logo será notada. Se posicionada para a opressão ou para o
mal, também seu destino logo será a destruição. O verdadeiro papel da escola,
mesmo já na época clássica grega24, é a procura do bem, de modo a
construir um cidadão também de bem. Ideologias têm de passar ao largo do
ambiente de ensino, que poderá, no máximo, abrir os olhos dos educandos acerca
do que está por detrás de tal e qual ideologia, e quem na verdade lucra com
isso. Uma escola que se dedica a implantar uma ideologia voltada para a
dominação e o bem de poucos, ou para a hegemonia de uma raça ou classe social,
verdadeiramente não é uma escola e sim mera fábrica de loucos inconsequentes.
3.4 –
Ensinar exige liberdade e autoridade
O
Autor sabidamente sofreu perseguição politica, inclusive sem exilado politico
mesmo assim o conceito de liberdade total em métodos de ensino e pedagógicos em
geral não é aceito pelo mesmo. Ele alerta que liberdade não pode ser tomada
como licenciosidade, e que liberdade total é prejudicial a quem quer que seja,
notadamente educandos em idade a qual não conseguem ou não podem tomar decisões
fundamentadas. Nesse item, a liberdade é controlada, administrada ou vigiada
pela autoridade, que não é a autoridade corpórea de um policial militar ou de
um delegado, e sim a tomada de ciência da função do educador como autoridade
dentro de seu trabalho pedagógico. Ao educador é devido o respeito e a
obediência, sob pena de total impossibilidade de se desenvolver qualquer
atividade que exija um mínimo de concentração. Mas essa autoridade tem de ser
sopesada ao extremo de modo a não restringir os direitos e anseios do educando,
que não devem ver na figura do educador um tirano, um algoz ou um simples
`bedel` de comportamentos. Essa autoridade tem sido cada vez mais pisada nos
tempos atuais, com a extrema dificuldade dos professores em manter mesmo que o
silencia em sala de aula, principalmente nas escolas da rede pública, em uma
total indiferença à pretensa autoridade do mestre, a qual aparentemente não
mais existe em um país com excesso de leis comportamentais. Vai ser necessário
todo um trabalho de soerguimento pedagógico para se resgatar a autoridade do
professor brasileiro, mas para isso muito da legislação atual que ampara
menores e menores delinquentes em duvidosos arcabouços protetivos terá de ser
eliminada24
3.5 –
Ensinar exige tomada consciente de decisões
A
educação de intervenção no undo é uma das aspirações do Autor.Nao a educação
revolucionária e carbonária, mas uma educação que adeque o homem a enfrentar e
a tentar mudar as realidades em que, por azares inexplicáveis, nasceu.Desse
modo, educar para tal formação exige decisões rápidas, como a decisão de que se
está exagerando ou não na dose ideológica dos ensinamentos, ou minorando
situações perversas, ou mesmo explicando situações sociais relacionais de forma
equivocada ou evidentemente oriundos de uma conclusão própria e não devidamente
embasada.É ceto que errar é humano, mas ao educador deve ser exigido o maior
esforço possível para que haja com a devida sabedoria em suas decisões.Um excelente
exemplo é o ensino da educação sexual.Até onde ir com o aluno? Deve ser ensinada
somente uma visão mecanicista do ato sexual ou uma visão mais humana e voltada
para sentimentos? Deve se alertar o educando quanto aos perigos de uma vida
promíscua ou ficar calado para que o mesmo descubra por si?
Percebe-se
que em qualquer tópico que possa ser ensinado as duvidas afloram imediatamente,
cabendo ao educador descer de seu pedestal de falsa superioridade como homem
que se acha culto, e partir para o enfrentamento dessas questões dentro da mais
escorreita linha de pensamento, exaustivamente sopesada e elaborada de modo a
se evitar injustiças mesmo interiores com a ministração de ensinamentos truncados,
equivocados, camuflados ou mesmo indisfarçavelmente errados.
3.6 –
Ensinar exige saber escutar
Ao
educador é vedada a atitude de superioridade intelectual, a falsa modéstia, a
empáfia auto-enganosa, que impedem a oitiva das opiniões e conceitos de
terceiros. O ser humano que assim age está cego por sua enganosa erudição, é
somente um pobre coitado que não tem consciência da insignificância da
existência humana e que todos convivemos em um mesmo barco que caminha
diretamente a uma destruição violenta se a atitude de cada um perante a vida
não mudar muito rapidamente25.Como ser vivente incompleto e em
eterna formação , a oitiva , principalmente de pessoas sem a mesma sorte de
letramento do educador, é um exercício de paciência e humildade que pode
resultar em excelentes frutos. Ninguém é tão onipresente de modo a ter tido
todo tipo de experiências humanas, desde sentimentais até periclitantes
episódios de violência, episódios de abandono, desconsideração, traição e
vilipêndio que não possa absorver tais experiências usando de sua capacidade auditiva.
O educador muitas vezes é o único confidente do educando, uma única tabua de
salvação flutuando em um oceano de desesperança, e deve estar ao seu lado em
todas as horas, e principalmente disposto e apto a ouvi-lo, mas essa oitiva não
pode ser passiva ou somente efetuada para um arquivamento nos anais mentais do
mestre, e sim algo que provoca um conselho, uma reação , um melhor entendimento
da realidade por parte do educador e do aluno.
É
essencial a existência de tal canal de comunicação entre educando e educador de
modo a criar uma confiança mútua absolutamente salutar. De nada adianta o
mestre ser uma parede sem ouvidos e nada tentar absorver dos problemas,
questionamentos, experiências e perigos enfrentados pelo aluno, que por fim
irão somente acrescentar ao intelecto e vivência do próprio educador.
3.7 -
Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica.
O
temor pelo crescimento e açambarcamento mundial da doutrina neoliberal
econômica preocupava enormemente o Autor, mas imediatamente percebe-se que ele
estava certo em seus temores. O mundo hoje vive em perigosa crise econômica,
onde os que mais sofrem são justamente os países subdesenvolvidos, que estão
somente à mercê do capital especulativo e do endividamento para tentarem
alavancar algum tipo de progresso, o qu esse revela impossível. Os países
socialistas , por sua vez, estão virtualmente falidos e com grande parte da
atirada ao desemprego. Realmente a onda neoliberal funcionou mais do que devia,
posto que como exemplificado antes cerca de 300 pessoas detém mais dinheiro
hoje do que 3 bilhões de pessoas, ou metade da população mundial. Chega a ser risível
ouvir no antigo seriado da Televisão americana Batman (1966)25 ,
emblemático da década de sessenta, que o `milionário`
Bruce Wayne estava fazendo filantropia em Gothan City, quando atualmente
multiplicam-se os `bilionários`, já existindo notícias da existência de alguns
`trilionários` que não fazem a menor
questão de serem reconhecidos. As corporações, por conta do neoliberalismo,
tomaram conta da maioria dos governos,
que de forma aparentemente absurda passam a operar politicas `sociais`
benéficas às empresas , e não às suas populações. As guerras para satisfazer
uma indústria armamentista gigantesca e o aparecimento da hedionda figura da`guerra
terceirizada`26 são como os últimos pregos de uma espécie de
sarcófago para a Humanidade, que não está vendo condições de escapar de tal sinistra
realidade. Evidentemente Paulo Freire apostava na Pedagogia como uma das únicas
formas de escape da tal sinistra situação, mas uma educação voltada para o bem
comum, para o engrandecimento do ser humano e para o abrigo, principalmente,
dos menos favorecidos. Ao educador cabe o papel de resistência de modo a se
evitar um final lastimável para a raça humana, seja pela guerra, seja pelo
exaurimento do planeta.
3.8
Ensinar exige disponibilidade para o diálogo.
O
Autor apregoa que, embasado no respeito ao próximo e as ideologias de vida e
necessidades, ao educador cabe a disponibilidade para o diálogo. O diálogo como
válida troca de experiências e aprendizados, em uma somatória de todas as bases
discutidas anteriormente. O autor alerta para o atual poder massificante da
mídia, que retira de populações inteiras a capacidade de pensar, analisar,
julgar sob o bombardeio de informações constantes mas que são impingidas de
forma rápida e sem a devida maturação ou aprofundamento, criando no povo a
sensação de que se encontra `bem informado` quando na verdade foi severamente
alvejado por pequenos dardos de violência e desfaçatez. Um espelho sujo da
realidade, que nada acrescenta e somente brutaliza ainda mais quem se encontra
as voltas com o emparedamento da educação.
O diálogo é pedagógico no sentido de que se pode observar o que as pessoas
estão a entender e a compreender da realidade em que vivem, e, sem tentar
influenciá-las, abrir-lhes os olhos para que não engulam realidades impostas.
3.9-
Ensinar exige querer bem aos educandos
O
querer bem não significa um amor desbaratado ao corpo discente , e sim um
respeitoso e digno relacionamento , que que mesmo situações as mais complicadas
serão olhadas por um manto de sentimentos abonadores mas não prejudiciais.Um
aluno querido mas que foi mal em sua prova porque nada estudou não pode ser
aprovado porque o professor `gosta dele`.É situação complexa e que pode ser
utilizada mesma na vida diária, como um pai que ama seus filhos mas não pode
deixar de ser severo em situações que se apresentam.
CONCLUSÃO
Realmente
a ultima obra de Paulo Freire funcionou com um grand finale de sua carreira, onde desponta mais um humanista
abnegado e preocupado com os destinos do planeta do que um mero professor de
sala de aula. As preocupações esposadas pelo mesmo se mostram acertadas, com o
mundo a cada ano que passa mais ameaçado por um sem número de vícios e
problemas, como se o Mal resolvesse atacar de forma uníssona nos últimos
tempos.
Ouvimos
sempre alguém dizendo que`o mundo sempre
foi assim, só que as noticias não corriam como agora`, com guerras,
injustiças e dor; mas as armas atômicas, as armas de destruição em massa, a
poluição, o aquecimento global , a superpopulação e mais centenas de problemas
que agora se apresentam são capazes sim de destruir a raça humana de forma a
nada restar. Foi-se o tempo em que o matuto mascando um bom pedaço de cana no
interior de Minas Gerais não sabia que a Europa estava em guerra ou quem era
Hitler há setenta anos atrás. Hoje, a
ameaça fundamentalista é uma realidade para qualquer país, posto que o
fundamentalismo não é um `privilégio` barbarizante somente dos muçulmanos,
podendo assumir as crenças mais `inocentes` e virar-se para o Mal.A má
distribuição de renda, o retorno de um imperialismo a serviço de um complexo
industrial militar faminto por despejar
sua produção na cabeça de mulheres e crianças de qualquer país são ameaças
sérias e presentes.O Brasil deixou de ser aquele país distante, cheio de
barrigudinhos de esquistossomose, matas virgens, praias selvagens, com mulatos,
cerveja e Carnaval para ser, com certeza, uma gorda prenda com seus recursos
naturais e seus governantes amorais à frente de um mercado de 200 milhões de
pessoas desarmadas por um governo que , agora, se mostra perdido em um imenso
mar de corrupção , burocracia e crime organizado.
A
saída para tal situação é por demais impossível, com o quadro tendendo a agravar
anualmente ao invés de se buscar seriamente uma solução. Solução esta que pode
ser, não a muito custo, encontrada em uma Pedagogia de valor, que possa formar
paulatinamente gerações que abominem o futebol e amem o documentário, que
gostem de praia mas amem a leitura, que descubram que álcool cozinha o cérebro
, que sexo é uma coisa natural da vida e não o motivo de se viver, que um carro
do ano no ano que vem não será mais um carro do ano,que viajar para a Disney só
vai deixar mais ricos quem um dia lhe jogará bombas teleguiadas em sua cabeça
sem nem sair do conforto do lar, que a cultura de um país tem de ser preservada
e desenvolvida e que o professor, aquele vivente sofrido e angustiado de nossos
dias,que mal e mal tem levado um país à
frente, mesmo com todas suas mazelas, merece todo nosso apoio, respeito e
consideração.
NOTAS:
1-Governo Fernando
Henrique Cardoso
2- -Francisco Quintanilha Véras
Neto, Márcia Regina da Silva Quintanilha Véras, Bruno Cozza Saraiva- Globalização, Neoliberalismo e
Direito: os fundamentos históricos da ordem jurídica atual na percepção destas
esferas Revista
Ambito Juridico-Nº 111 - Ano XVI - ABRIL/2013 - ISSN - 1518-0360
3- Berlin Wall
Fall- http://www.palgrave.com/politics/global/students/casestudies/14039_89826_Ch2_GPI_Berlin.pdf
5-European Comission- Causes of European Crisis- http://ec.europa.eu/economy_finance/publications/publication15887_en.pdf
6-Taliban war
agains women- http://www.law.georgetown.edu/rossrights/docs/reports/taliban.pdf
-Físicos do mndo em favor dos Direitos Humanos-Boston
7-NASA-CASSINI
PROJECT- http://www.nasa.gov/pdf/60116main_cassini-arrival.pdf
8-IN G.A.
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of Advanced Nursing 48(4), 388–396(
9- Faith
Maina-CULTURAllY RELEVANT PEDAGOGY:FIRST
NATIONS EDUCATION IN CANADA-Centre
for the Study of Curriculum and Instruction University of British
Columbia-Vancouver, British Co
10-Daniel
Wikler University of Wisconsin, USA-Can
we learn from eugenics? Journal of Medical Ethics 1999;25:183-194
11-Catia vanessa Alves parreira-padrao de consumo de álcool pelos professores da comunidade do
espinho,Portugal- http://bdigital.ufp.pt/bitstream/10284/1652/3/Mono_16708.pdf
12- Philippe Perrenoud -L’école face à la
diversité des cultures-La pédagogie différenciée entre exigence d’égalité et
droit à la différence-Faculté de
psychologie et des sciences de l’éducation-Université de Genève-2005
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