terça-feira, 25 de setembro de 2012

A RIQUEZA DO MUNDO ESTA ESCONDIDA


Seis coisas para saber sobre os 21 trilhões escondidos em paraísos fiscais
O volume de riqueza guardado em paraísos fiscais, se contabilizado, não apenas alteraria profundamente a atual quantificação da desigualdade no mundo, como converteria alguns dos países mais pobres do planeta de devedores em credores
Por Sarah Jaffe, em ODiario.info
21 trilhões de dólares. É isso que as pessoas mais ricas do mundo escondem em paraísos fiscais por todo o mundo. E poderia ser mais, até US$ 32 trilhões; a quantia real é, obviamente, quase impossível de determinar.
E enquanto os governos se veem obrigados a reduzir gastos e a despedir os seus trabalhadores, invocando a necessidade de “austeridade” devido à desaceleração da economia, os ultra-ricos – menos de 10 milhões de pessoas –, esconderam uma quantia equivalente às economias dos EUA e Japão combinadas. Isto é o que revela um novo relatório da Rede de Justiça Tributaria (Tax Justice Network) [3], e os seus resultados são estarrecedores. A perda de contribuições fiscais para os refúgios fiscais no estrangeiro, sublinham, “é suficientemente grande para fazer uma diferença significativa em todas as medições convencionais da desigualdade. Dado que a maioria da riqueza financeira escondida pertence a uma pequena elite, o impacto é impressionante”.
(Foto http://www.flickr.com/photos/68751915@N05/)
James S. Henry, ex economista em McKinsey & Co. e autor do livro “Os banqueiros de sangue” [4] e de artigos para publicações como The Nation e The New York Times, investigou a informação do Banco de Pagamentos Internacionais, do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial, das Nações Unidas, dos bancos centrais e de analistas do setor privado e deparou-se com os indícios de uma bolsa gigante de dinheiro vivo flutuando nessa zona nebulosa conhecida como “offshore” (e isto tratando apenas do dinheiro, uma vez que o relatório não abrange coisas como bens de raiz, iates, arte e outras formas usadas pelos super-ricos para ocultar a sua riqueza, livre de impostos, nos paraísos fiscais no estrangeiro). Henry fala de um “buraco negro” na economia mundial e sublinha que, “embora me tenha esforçado para errar por defeito para o lado conservador, os resultados são estarrecedores”.
O relatório contém uma grande quantidade de informação, pelo que nos concentramos em seis coisas que todos devemos saber sobre o dinheiro que os mais ricos do mundo escondem do resto de nós todos.
1. Conheça o 0,001%
“Segundo as nossas estimativas, pelo menos um terço de toda a riqueza financeira privada, e quase metade de toda a riqueza em paraísos fiscais, é propriedade das 91 mil pessoas mais ricas do mundo, apenas 0,001% da população mundial”, diz o relatório. Essas 91 mil pessoas são donas nos EUA de cerca de US$ 9,8 trilhões do total estimado neste relatório – e menos de dez milhões de pessoas são donas do total.
Quem são essas pessoas? Sabemos que são os mais ricos, mas o que mais sabemos acerca deles? O relatório menciona “especuladores imobiliários chineses de 30 anos de idade e magnatas do software de Silicon Valley”, e pessoas cuja riqueza provém do petróleo e do tráfico de drogas. Não menciona, embora pudesse, candidatos presidenciais dos EUA como Mitt Romney, famoso pelas críticas de que é alvo por ter dinheiro guardado num conta bancária na Suíça e em investimentos sediados nas Ilhas Cayman. (PolitiFact classificou estas declarações num recente anúncio de Obama como “verdade” [5]).
Os magnatas da droga, naturalmente, têm necessidade de ocultar os seus ganhos ilícitos, mas o que muitos outros ultra-ricos querem é simplesmente evitar pagar impostos, construindo complicados fideicomissos e outros investimentos apenas para poupar alguns poucos pontos mais naquilo que devem pagar aos seus respectivos países. E tudo se acumula.
2. Onde está o dinheiro? É complicado
“Offshore”, segundo Henry, já não é um lugar físico, embora exista ainda uma grande quantidade de lugares como Cingapura e Suiça, sublinha, que ainda se especializam em proporcionar “residências físicas seguras de baixos impostos” aos ricos do mundo.
Mas nos dias de hoje, a riqueza “offshore” é virtual – Henry descreve “localizações nominais, hiper-portáteis, multi-jurisdiccionais e frequentemente muito temporárias de redes de entidades legais e quase-legais e outros tipos de arranjos”. Uma empresa pode estar sediada numa jurisdição, mas é propriedade de um fideicomisso sedeado em outro lugar, e administrada por administradores em um terceiro lugar. “Em última instancia, por conseguinte, o termo “offshore” refere-se a um conjunto de capacidades”, em vez de a um lugar ou vários lugares.
Também é importante, assinala o relatório, distinguir entre os “paraísos intermediários” – lugares nos quais pensa a maioria das pessoas quando pensa em paraísos fiscais, como as Ilhas Cayman de Romney, as Bermudas ou a Suíça – e os “paraísos de destino”, que incluem os EUA, o Reino Unido e inclusive a Alemanha. Estes destinos são desejáveis dado que proporcionam “mercados regulados de valores relativamente eficientes, bancos apoiados por grandes populações de contribuintes e pelas companhias de seguros; códigos legais bem desenvolvidos, advogados competentes, poderes judiciais independentes e estados de direito”.
Algumas das pessoas procuram evitar pagar impostos movimentando o seu dinheiro por todos os lados; em outras palavras, estão aproveitando serviços financiados pelos contribuintes para o fazer. E aqui nos EUA, desde 1990, alguns estados começaram a oferecer personalidade jurídica de baixo custo, “cujos níveis de confidencialidade, proteção contra credores e condições fiscais rivalizam com as dos tradicionais paraísos fiscais secretos do mundo”. Se articulamos isto com a participação cada vez menor na arrecadação fiscal estadunidense dos ricos [6] e das empresas [7] começamos a apreciar quão atrativa é esta proposta para aqueles que procuram escamotear o seu dinheiro.
3. Os grandes bancos resgatados manejam este negócio
Mas quem está facilitando este processo? Alguns nomes conhecidos emergem rapidamente quando aprofundamos os dados: Goldman Sachs, UBS e Credit Suisse são os três primeiros, seguidos por Bank of America, Wells Fargo e JP Morgan Chase. “Agora podemos agregar isto a sua lista de méritos: são atores-chave em muitos dos paraísos em todo o mundo, e peças chave na injustiça do sistema fiscal global”, assinala o relatório.
Em finais de 2010, os 50 principais bancos privados geriram por si sós 12,1 trilhões de dólares em ativos “transfronteiriços” investidos pelos seus clientes. Isto é mais do dobro de 2005, o que representa uma taxa média de crescimento anual de mais de 16%.
“Entre os bancos, as empresas de contabilidade e os advogados corporativos, algumas das maiores empresas do mundo são parte da teia de evasão fiscal global”, escreve o investigador financeiro (e ex operador de Goldman Sachs), Lydia Prieg em The Guardian. “Estas empresas não são entidades morais que possamos envergonhar para que paguem o que lhes cabe, apenas existem para maximizar os seus lucros e os dos seus clientes”.
“Até finais da década de 2000”, sublinha Henry, “a sabedoria convencional entre os capitalistas acerca da evasão era o que pode ser mais seguro do que os bancos ‘demasiado grandes para falir’ dos EUA, Suíça e Reino Unido?”. Sem os resgates que chegaram juntamente com a crise financeira de 2008, acrescenta, muitos dos bancos que escondem dinheiro dos super-ricos teriam deixado de existir. O apoio incondicional do governo é a razão pela qual os über-ricos usam os grandes bancos.
4. A desigualdade é pior do que aquilo que julgávamos
Com toda esta riqueza oculta em todo o mundo, que é impossível de contabilizar ou de taxar, sublinha Tax Justice Network, é seguro que estamos subestimando a dimensão da desigualdade de rendimentos e a riqueza real. Stewart Lansley, autor de O custo da desigualdade disse a Heather Stewart em The Guardian [8]: “Não há absolutamente nenhuma dúvida de que as estatísticas sobre rendimentos e riqueza subestimam a magnitude do problema”.
Ao calcular o coeficiente Gini, uma medida da desigualdade numa sociedade, disso, “não se podem representar os multimilionários e bilionários, e ainda que se pudesse, isso não seria representativo”.
Trata-se de um tema tão importante que a Tax Justice Network o incluiu num segundo relatório anexo ao de Henry, intitulado “Desigualdade: não sabemos nem a metade da história [9]”. O relatório analisa todos os problemas relativos à forma como se calcula a desigualdade hoje em dia, que frequentemente se reduz à conclusão de que não dispomos de nenhuma medida exata da verdadeira riqueza dos super-ricos. Se os dados sobre rendimentos fiscais disponíveis não podem tomar em conta os milhões de milhões escondidos por todo o mundo em paraísos fiscais, como podemos calcular os rendimentos reais dos mais ricos do mundo?
A desigualdade disparou em todo o mundo, segundo os sistemas de medida que utilizamos atualmente. Se o 1% nos EUA é apenas dono de 35,6% da riqueza, por exemplo, mas de uma quantidade muito maior que está escondida em algum lugar, o que é que isso significa para nós? Não esqueçamos que “a desigualdade é uma opção política” – que nós determinamos o que deve fazer-se numa sociedade baseada na quantidade de desigualdade que cremos ser tolerável ou justa. Se essa quantidade é muito maior de que aquilo que pensamos, como se insere isso nas nossas prioridades? Muitos estadunidenses já estão mal informados [10] acerca do nível de desigualdade, mas este relatório confirma que até os supostos peritos subestimam enormemente o problema.
5. Os países “endividados” não o estão, afinal de contas
O relatório de Henry desagrega um subgrupo de 139 países, principalmente de rendimentos baixos ou médios, e sublinha que, de acordo com os cálculos, os países tinham uma dívida combinada de mais de US$ 4 trilhões em finais de 2010. Mas se for levado em conta todo o dinheiro que se esconde nos paraísos, esses países teriam na realidade uma dívida negativa de US$ 10 bilhões ou, como escreve Henry: “uma vez que tomamos estes ativos ocultos e os lucros que produzem, muitos países considerados “devedores“ no fim de contas são ricos. Mas o problema é que a sua riqueza está agora do outro lado do mar, nas mãos das elites e dos seus banqueiros privados”.
Henry observa ainda que o mundo em desenvolvimento no seu conjunto é credor do mundo desenvolvido, em vez de ser devedor, e assim sucede há mais de uma década. “Isso significa que este é realmente um problema de justiça tributária, não é simplesmente um problema de ‘dívida’”.
Mas, como temos dito, essas dívidas recaem sobre os ombros dos trabalhadores desses países, que não podem tirar proveito das vantagens dos paraísos fiscais.
E isto, evidentemente, não é apenas um problema do mundo em desenvolvimento. Nos nossos dias, anota Henry, o mundo desenvolvido tem a sua própria crise de dívida (ver os problemas atuais da zona euro). O economista francês Thomas Piketty sublinha que “…as riquezas nos paraísos fiscais são provavelmente suficientes para converter a Europa [11] num credor líquido muito grande em relação ao resto do mundo”.
6. Quanto estamos perdendo? 
No final, é disso que se trata, não é verdade? É impossível afirmar com certeza, naturalmente, porque estes números são apenas estimativas, mas Henry sugere que, se estes US$ 21 trilhões não declarados obtivessem uma taxa de retorno de 3%, e seus rendimentos fossem taxados em 30%, gerariam por si só rendimentos fiscais de cerca de US$ 190 bilhões. Se a quantidade total de dinheiro em paraísos fiscais está mais próxima da estimativa mais alta de US$ 32 trilhões, isso equivaleria a cerca de US$ 280 bilhões, o que é aproximadamente o dobro daquilo que os países da OCDE gastam em ajuda ao desenvolvimento. Por outras palavras, uma grande quantidade de dinheiro. E 3% de retorno é ser extremamente conservador.
Isto é apenas em impostos sobre o rendimento. Os impostos sobre as mais-valias, impostos sobre as heranças e outros impostos trariam ainda mais.
É por isso que, no final do dia, Henry diz que poderíamos ver isto como uma boa notícia. “O mundo acaba de encontrar uma enorme pilha de riqueza financeira que poderia ser chamada a contribuir para a solução dos nossos problemas globais mais urgentes”, escreve. “Temos a oportunidade de pensar não apenas acerca de como prevenir alguns dos abusos que nos conduziram aonde nos encontramos hoje, mas também de pensar em como fazer um melhor uso dos rendimentos livres de impostos que esta riqueza poderia gerar”.
Notas:

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